Alerta
Doença de chagas não é coisa do passado
Só no ano passado seis municípios da região contabilizaram 24 casos confirmados de ocorrência do vetor da doença, que em quadros agudos, muitas vezes, se mantém assintomática
Jerônimo Gonzalez -
Dois estudos liderados pelo Instituto de Biologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) centraram o foco na doença de Chagas, nos últimos dois anos. Agora, com cópias de um documentário de 21 minutos em mãos, além de um calendário ilustrado, pesquisadores e agentes públicos possuem ferramentas para estreitar o alerta à comunidade. Ainda que não se tenha a notificação de novos casos na Zona Sul, é essencial ficar de olho bem esticado ao barbeiro, vetor da doença. E muitos desses cuidados podem ser tomados por você, com atitudes bem simples.
O primeiro passo é ficar atento: em todo o país são aproximadamente 1,5 milhão de pacientes crônicos, mas não é apenas em contato com eles que o inseto poderá proliferar a doença de Chagas. Existem mais de cem mamíferos que funcionam como hospedeiros, isto é, também podem desenvolver o protozoário Trypanosoma cruzi disseminado pelas fezes do barbeiro, na hora da picada. Sem falar em todos os quadros agudos da doença, em que o cidadão se mantém assintomático e nem suspeita que é esta enfermidade que o afeta.
Os boletins epidemiológicos, portanto, podem não retratar plenamente a realidade. Quem alerta é o orientador dos estudos, desenvolvidos pelo Programa de Pós-graduação em Parasitologia, o biólogo Marcos Villela. “De modo geral, as pessoas pensam que doença de Chagas é coisa do passado e não precisam se preocupar, mas não é verdade”, garante o doutor em Doenças Infecciosas e Parasitárias.
Alvo voltado à zona rural
A formação dos agentes comunitários, que atuam na zona rural, tem sido uma das apostas da equipe do Centro de Controle de Zoonoses da Secretaria de Saúde de Pelotas. Em contato direto com a população, os profissionais se tornam multiplicadores de informações que podem ajudar a manter o inseto longe do contato humano. Em 2016, por exemplo, 24 casos de ocorrência de barbeiro foram confirmados em seis municípios da região: Pelotas, Morro Redondo, Herval, Pinheiro Machado, Piratini e Santana da Boa Vista; a maioria da espécie Triatoma rubrovaria, a mais comum no Rio Grande do Sul e, por sorte, com taxa de infecção menor que 1% .
“Aos poucos o homem vai avançando no seu habitat. Por isso, é importante que a comunidade evite a formação de entulhos e que as equipes de saúde estejam mais sensíveis para cogitar a doença, conforme os sinais que aparecem no paciente”, destaca a responsável pelo Programa Municipal de Vigilância e Controle da Doença de Chagas, a veterinária, Roberta Silveira da Mota.
Atualmente, 16 Postos de Informação de Triatomíneos - 15 na área rural - servem de referência para os moradores encaminharem insetos suspeitos. As amostras são enviadas para análise nos Laboratórios de Saúde Pública do Estado (Lacen), em Porto Alegre.
Conheça o barbeiro
Ciclo de vida
O barbeiro vive uma média de dois anos e leva até um ano para se tornar adulto.
* A cada postura, coloca de 50 a cem ovos. Ao longo da vida coloca um total de até 500 ovos.
* Ao todo são 12 espécies; dez silvestres.
* O vetor de maior importância na transmissão da doença - Triatoma infestans - tende a ser eliminado do Rio Grande do Sul. O último foco encontrado foi em Santa Rosa (Noroeste do Estado, a 561 quilômetros de Pelotas), em 2014.
- Comportamento
* Quando está no ambiente natural, desenvolve-se em regiões de mato. Atraído pela luz, entretanto, aproxima-se das casas. Gosta de se esconder em frestas, entre telhas e pedras e atrás de quadros. Na área rural, um dos esconderijos preferidos são os galinheiros e, não raro, aproveitam para picar as próprias aves.
* Alimenta-se unicamente de sangue; tanto as fêmeas quanto os machos.
* A picada não é dolorida. O barbeiro libera substância anestésica através da saliva e defeca enquanto pica. É através das fezes que pode disseminar o protozoárioTrypanosoma cruzi; o micróbio da doença de Chagas.
* Costuma picar a região do rosto, já que, em geral, aproxima-se das pessoas à noite, enquanto dormem, atraído pelo gás carbônico liberado na respiração.
Como se dissemina a Doença de Chagas?
* Para proliferar a doença, o barbeiro precisa se alimentar do sangue de algum hospedeiro positivo, isto é, alguma pessoa ou mamífero - como tatus, morcegos, gambás e ratos - já infectado pelo protozoário Trypanosoma cruzi, liberado nas fezes do barbeiro enquanto pica. Daí em diante, passará a espalhar o protozoário (micróbio), com a ressalva de que apenas os humanos desenvolvem a doença de Chagas. Os demais apenas servem de hospedeiros - explica o professor do Instituto de Biologia da UFPel, Marcos Villela.
* Ainda que raro, mulheres infectadas também podem fazer a transmissão vertical aos seus bebês durante a gestação. Na amamentação, se o seio estiver com fissuras, é preciso cuidado para o bebê não ingerir sangue contaminado.
* A transmissão também pode ocorrer - acidentalmente - através da ingestão, quando as fezes do barbeiro ou o próprio inseto são triturados junto a alimentos, como o caldo de cana e o açaí.
Como manter o inseto distante?
* Evite a formação de entulhos e cubra frestas das paredes para reduzir esconderijos ao barbeiro.
* Se possível, passe cal em muros e tronco de árvores para ter mais chance de monitorá-lo.
Como capturá-lo para encaminhar para análise?
1) Capture o inseto protegendo-se com um saco plástico.
2) Coloque o inseto vivo dentro de um pote com pequenos furos na tampa.
3) Escreva o endereço e o nome do morador.
4) Coloque este papel junto ao pote.
5) Os insetos capturados devem ser entregues a um agente de saúde ou, se possível, em um dos 16 Postos de Informação de Triatomíneos, em Pelotas.
- Como manter o inseto distante?
* Evite a formação de entulhos e cubra frestas das paredes para reduzir esconderijos ao barbeiro.
* Se possível, passe cal em muros e tronco de árvores para ter mais chance de monitorá-lo.
Confira os locais
11 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) - Cascata, Cerrito Alegre, Colônia Maciel, Grupelli, Colônia Triunfo, Pedreiras (Monte Bonito), Vila Nova, Santa Silvana, Colônia Osório, Corrientes e a Secretaria de Saúde (na rua Lobo da Costa, 1.764).
5 pontos comerciais ou moradias na zona rural - Albino Saalfeldt (Cordeiro de Farias), localidade de Arroio do Moinho (Colônia Triunfo), Venda Nova (Armazém Marilene), comércio Alcindo Beduhn (Colônia Cerrito) e Residência 307 (próximo à UBS Pedreiras).
(*) Se confirmado que o inseto, realmente, é o barbeiro, a prefeitura desencadeia ações para eliminação do foco.
Características da Doença de Chagas
Quadro agudo
Seria fundamental detectá-la ainda na fase aguda - durante aproximadamente um ano -, quando há medicação específica para combater o protozoário e eliminar a doença. O fato de aproximadamente 80% das pessoas não apresentarem sintomas dificulta o diagnóstico. Sinais, como pálpebra inchada e manchas roxas no local da picada devem servir de alerta.
Quadro crônico
Em casos mais graves, a doença de Chagas pode afetar, principalmente, o coração e provocar insuficiência cardíaca e respiratória. O sistema digestivo também costuma ser atingido e o paciente pode apresentar dificuldades tanto para engolir quanto para defecar.
Conheça um pouco mais dos estudos da UFPel
A doutoranda Cibele dos Santos analisou o quanto os investimentos em melhoria habitacional podem prevenir o contato do barbeiro com a população. E, como instrumento para incentivar cuidados básicos, um calendário ilustrado foi confeccionado para distribuição à comunidade rural.
A mestranda Tanise Bianchi também centrou o foco na doença de Chagas e, como ferramenta de trabalho, um documentário - já disponível no youtube - poderá ser exibido em palestras e encontros em escolas e fomentar o debate.
Os dois estudos, orientados pelo professor Marcos Villela, contaram com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As pesquisas também tiveram apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), através do Núcleo de Telessaúde - com a participação de Diego Madia, Rafael Alves e Luiz Felipe Telles -, e do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS), através das servidoras Cleonara Bedin e Tânia Wilhelms.
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